Enredo
No romance A Luneta Mágica, Macedo nos conta a
história de Simplício, um rapaz que padece de um mal terrível: uma dupla
miopia.
Miopia física: que o impede de ver ou distinguir
qualquer coisa a duas polegadas de distância dos seus olhos.Miopia moral: o
impede de entender ou distinguir as ideias alheias ou de ajustar suas próprias
ideias. [trata-se de um parvo, ingênuo,...]
Simplício ficou órfão aos 12 anos de idade e,
desde então, vive com o mano Américo, que administra sua herança, com a devota
tia Domingas e com a prima Anica. Certo dia, apesar de sua miopia, foi
convidado para fazer parte de um júri. Lá conhece o Sr. Nunes que lhe fala do
Reis, um gravador de vidros, capaz de resolver seu problema de miopia.
Depois de muitas tentativas, de lentes do mais
alto grau, Reis reconhece que não pode ajudar Simplício, sua miopia é muito
forte. Condoído, no entanto, com a dor do rapaz fala-lhe do Armênio - um
artista de habilidades mágicas trazido da Europa pelo próprio Reis para
trabalhar em sua oficina.
O desejo de Simplício de ver era tão grande que
ele acaba aceitando ir visitar o Armênio. Este promete-lhe uma luneta mágica,
mas avisa-lhe também que em pouco tempo o rapaz vai ter a convicção de que é
melhor ser cego do que ver demais.
Assim, depois de pensar muito sobre tudo o que o
Armênio havia lhe falado e consultar sua família, Simplício vai ao encontro do
mágico no horário marcado, a meia-noite. O mago entrega-lhe o objeto mágico,
mas não antes de lhe avisar sobre os poderes e perigos da luneta: Simplício não
deveria fixá-la mais de 3 minutos sobre qualquer objeto ou ser humano, pois
assim passaria a ter a visão do mal [vingança da salamandra presa no vidro] e,
além disso, não deveria também fixá-la em nada além de 13 minutos, pois esta
seria a visão do futuro e, neste caso, para própria proteção do rapaz, a luneta
se quebraria.
Ansioso com a possibilidade de enxergar,
Simplício volta para casa e espera o amanhecer para experimentar a luneta.
Maravilhado com a visão da aurora, acredita que será impossível ver qualquer
coisa má nesta cena e decide, portanto, fixar sua luneta por mais de 3 minutos.
De repente, fica horrorizado com o que vê. Concorda com o Armênio e diz que
basta a visão da superfície e das aparências, a felicidade do homem está nas
ilusões dos sentidos, nos enganos da alma, quer ser feliz e, portanto, não fará
mais uso da visão do mal. No entanto, nosso jovem ingênuo, acaba por não
resistir à visão do mal e começa a fixar sua luneta sobre tudo e todos.
A visão do mal permite-lhe ver a 'verdade'
sobre: prima Anica, moça fria, sem sentimentos, mulher-cálculo, incapaz de
amizade, interessada em casar Américo ou com Simplício por causa da fortuna;
mano Américo, ambicioso avarento, rouba a família na administração dos bens;
tia Domingas, invejosa, fofoqueira, sovina, deseja o casamento da filha com
Américo pela fortuna,...
Estas descobertas deixam Simplício horrorizado e
decepcionado fazendo-o decidir procurar um advogado para administrar seus bens
e uma esposa para formar uma nova família. Procura o Nunes para que este o
ajude com seus planos. No entanto, ao fixar sua luneta sobre o velho, descobre
um farsante e interesseiro.
De repente, a cidade inteira comenta sua loucura
e ele passa a ser perseguido e execrado em todos os locais. A família decide
que ele está doente, tranca-o em casa e quer destruir sua luneta. A visita de
um médico, no entanto, impede que ele seja declarado louco. Todos concordam que
ele foi iludido pela magia e que com amor e carinho conseguirá superar tudo.
Ainda assim, Simplício não entrega a luneta e
sabe que, embora não seja considerado louco será visto como um maníaco,
portanto não há salvação. Decide, então, que a única coisa que poderá salvá-lo
será a visão do futuro. Ele quer saber qual o seu futuro e por isso decide
fixar a luneta nele mesmo [no espelho] por mais de 13 minutos. Entretanto,
antes de chegar na visão do futuro, chega à visão do mal e se descobre um
infame, caluniador, um inimigo da família, um homem capaz de maldizer todas as
criações de Deus, um maldito...Antes de chegar na visão do futuro, a luneta
quebra-se em suas mãos.
Depois de 8 dias enclausurado em casa, decide
que já pode sair, as pessoas não lembrarão de mais nada - 'Não há atividade de
opinião que resista à extensão, à eternidade de oito dias na nossa capital’.
Durante o passeio, reencontra o Reis que lhe conta sobre as fofocas do Nunes e
o convence a, novamente, procurar o Armênio. Assim, fica combinado um novo
encontro, a meia-noite, no gabinete do mágico.
Mais uma vez Simplício presencia todo o ritual
de construção da nova luneta e ouve os alertas do Armênio sobre o uso correto
da lente. Dessa vez, se fixada por mais de três minutos, ela lhe dará a visão
do bem.
Ao voltar para casa, esperançoso e feliz com a
possibilidade de ver novamente, Simplício decide que escreverá a todos os
jornais e falará sobre as maravilhas de que o Armênio é capaz. Ele não entende
a descrença do Reis nas potencialidades mágicas. Acredita que o Armênio poderá
ajudar muitas outras pessoas e que, portanto, não faz sentido manter tudo isso
em segredo.
Depois de se questionar sobre que mal poderia
haver na visão do bem, mais uma vez Simplício desobedece ao mágico e fixa sua
luneta por mais de três minutos. Começa por enxergar a prima Anica, um anjo de
inocência e de candura; tia Domingas, a devoção e a piedade personalizada; o
mano Américo, a pura dedicação fraternal.
'-Eu tinha a febre da felicidade. O mundo e a
vida me festejavam o coração; eu desejava rir, divertir-me, folgar'.
Maravilhado com a visão do bem, apaixona-se pela
prima Anica e por mais trinta e tantas outras moças, inclusive por Esmeralda,
uma conhecida prostituta do 'Alcasar Lírico'. Reconhece a bondade e a pureza de
coração em todos que dele se aproximam, ajuda a todos, paga jantares, dá esmolas,
contribui para fundos de caridades através dos 'amigos', que são cada vez em
maior número. Reencontra o Nunes, visita-lhe a família, apaixona-se por sua
filha, salda suas dívidas. Enfim, passa a ser explorado e ridicularizado por
todos sem perceber. Quando alguns tentam lhe avisar sobre o que está
acontecendo, fica confuso, pois descobre a verdade na boca destas almas boas,
mas não entende como isso pode ser possível.
Mais uma vez desesperado e angustiado, descobre
que a visão do bem é um martírio.
Com a alma atormentada, presencia um funeral e
percebe a beleza, a felicidade da morte. Decide, portanto, que o melhor que tem
a fazer é morrer. Como não tem armas ou veneno, nem meios para consegui-los,
sobe até o alto do Corcovado para se jogar de lá de cima. Antes, porém, pensa
uma vez na visão do futuro, dá uma última olhada através da luneta mágica para
cidade, a capital do Império do Brasil. Passa-se os treze minutos e a luneta se
quebra em suas mãos. Mais uma vez nas trevas, Simplício não hesita e se joga do
para peito...Duas mãos possantes, no entanto, suspenderam-lhe pelas orelhas -
era o Armênio.
Depois de conversarem sobre tudo o que havia
acontecido, o mágico fala-lhe sobre as lições das lunetas:
'Exagerar é mentir.'
'No mundo há o bem e o mal, como há na vida o
prazer e a dor.'
'Mas o bem é o bem, o mal é o mal como são e não
podem deixar de ser para humanidade que é imperfeita: perfeito bem, absoluto
mal não há para ela.'
'A
imperfeição e a contingência da humanidade são as únicas ideias que podem
fundamentar um juízo certo sobre todos os homens...Cada qual é o que é e cada qual tem as suas
qualidades, e seus defeitos.'
Depois desta conversa, o Armênio decidiu dar-lhe
uma última luneta mágica - A Luneta do Bom Senso. Desta vez, no entanto, Reis
faz Simplício prometer segredo sobre o assunto.
Personagens
Principais:
Simplício (o míope): protagonista
do romance. Como o mesmo diz: míope física e moralmente.
Américo : administra os
seus bens e os bens de seu irmão Simplício.
Tia Domingas : tia de
Simplício e Américo. É uma fervorosa religiosa.
Prima Anica : filha de
Domingas e prima de Simplício e Américo. É uma jovem doce e recatada.
Reis : dono do armazém
onde Simplício conseguiu a luneta mágica. É um sujeito que se mostra amigo de
Simplício, no entanto, totalmente cético em relação ao poder da luneta mágica e
dos poderes do armênio.
Armênio : É um
estrangeiro, que fala todas as línguas. Não é apresentado seu nome.
Caracterizado por ser um homem misterioso, dotado de poderes mágicos, relacionados
com a Cabala. Vive trancafiado num gabinete nos fundos do armazém do Reis.
Secundários:
Nunes: um senhor que
apresenta o Simplício ao Reis.
Damião: um sujeito
trapaceiro que se aproveita da bondade de Simplício e que vive uma vida de malandragens.
Esmeralda: uma jovem
atraente, mas leviana e interesseira, que também se aproveita da boa fé de
Simplício
Dona Eduvirges: mulher do
senhor Nunes. Uma senhora muito recatada
Ana (D. Ana, Nicota):
filha do senhor Nunes, por quem Simplício também se apaixona, por causa do
poder da visão do bem.
Temas
Ironia.
Carreirismo político: “Vi um grilo. (...)
Não julgueis que é insignificante o maléfico; perturba o sono, gasta a
paciência, arranha os ouvidos, ofende os nervos e impede o sossego. (...)
Felizmente, para mim os grilos são mais frequentes nas assembleias legislativas
do que no meu sótão”.
Corrupção nos órgãos públicos: “Vi o cupim”... O cupim não é
sanguinário, mas a sua malvadeza não é menos prejudicial à sociedade. (...)O
cupim estraga, aniquila mais cabedais do que certos ministros da fazenda e de
obras públicas que temos tido no Império do Brasil: Façam ideia de quanto ele
estraga para vencer na comparação. (...)
Contexto histórico
A ascensão da burguesia ao poder, e o
surgimento do jornal [ o primeiro aparece em 1808, no RJ] vieram modificar o
gosto do público pela literatura. A nova mentalidade, menos refinada, menos
educada e mais pragmática - voltada para os problemas do dia a dia - requer um
gênero literário que possa estar à altura do seu entendimento e do seu gosto. E
o romance, que há mais tempo vinha tomando forma, começou a ensaiar seus
primeiros passos no Brasil. Dos primeiros folhetins, publicados em jornais, por
autores agora completamente esquecidos, passamos às primeiras manifestações
mais apropriadas e logo festejadas pelo grande público. Atentos, sempre, ao
anseio do novo público, surgiram os primeiros romancistas. E, com eles, o
primeiro folhetim entre estes está A Luneta Mágica, de Joaquim Manuel de
Macedo. A Luneta Mágica é
provavelmente o primeiro romance brasileiro de fantasia, dentro daquilo que,
mais tarde, seria chamado de "fantasia contemporânea" (ambientada na
época do autor).
Foco narrativo
Narrador em 1ª pessoa, Simplício é quem narra a história.
Tempo
Cronológico.
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